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Artigo

Neiva Ribeiro: Tecnologia, desigualdade e o papel estratégico do movimento sindical

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Neiva Ribeiro, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região

Vivemos um tempo de profundas transformações no mundo do trabalho. A tecnologia, cada vez mais sofisticada, está moldando novas formas de produção, controle e organização. Mas, para nós, trabalhadores e trabalhadoras, é urgente perguntar: quem se beneficia com esses avanços? E, sobretudo: quem está ficando para trás?

Os avanços tecnológicos não são neutros, assim como não são os algoritmos, ou a IA realista que gera os vídeos de humor, história ou revisões bíblicas que inundaram nossas timelines nas últimas semanas. São parte de uma ideologia. O que temos visto, na prática, é o aumento da produtividade sem a devida contrapartida em redistribuição de renda, melhoria nas condições de trabalho ou bem-estar para a maioria. A inteligência artificial e a digitalização avançam, mas a precarização, o desemprego e a desigualdade seguem firmes — e, muitas vezes, se aprofundam.

Participamos da 113ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que aconteceu em Genebra, na Suíça, defendendo os direitos dos trabalhadores, promovendo as negociações coletivas e garantindo a aplicação de padrões trabalhistas internacionais.

Dados recentes da OIT mostram que um em cada quatro empregos pode ser transformado pela IA generativa. Isso, somado à escassez de infraestrutura e qualificação técnica em países do Sul global, apenas reforça a dependência e o desequilíbrio estrutural entre as nações. As transformações tecnológicas, portanto, operam dentro de um cenário de assimetria econômica e social global, no qual o Sul é mantido na periferia da inovação.

Essas mudanças impactam a todos, mas afetam de maneira mais dura as mulheres, especialmente as mulheres negras e migrantes. A divisão sexual do trabalho, a sobrecarga com tarefas de cuidado e a desigualdade salarial — que faz com que as mulheres ganhem, em média, 20,9% a menos que os homens — permanecem presentes, inclusive na chamada "nova economia".

Na categoria bancária, as contradições ficam evidentes: mais de 18 mil postos de trabalho foram fechados nos últimos cinco anos, sendo 94% deles ocupados por mulheres. Ao mesmo tempo, cresce o número de vagas na área de tecnologia, mas com baixa participação feminina (25%) e presença quase invisível de mulheres negras (menos de 7%).

Essa exclusão não é acidental — ela reflete estruturas que naturalizam a desigualdade, mas também indica onde devemos atuar com força: na formação, na qualificação e na negociação coletiva com foco na inclusão.

Em 2024, a mobilização sindical garantiu conquistas importantes: cláusulas específicas na Convenção Coletiva de Trabalho que tratam da participação de mulheres na tecnologia e da regulação da Inteligência Artificial, com previsão de cursos, bolsas e requalificação profissional com ênfase na igualdade de oportunidades.

A luta sindical precisa, cada vez mais, incorporar a pauta tecnológica às suas reivindicações históricas.

Defendemos:

  • Redução da jornada de trabalho sem redução de salários, aproveitando os ganhos de produtividade gerados pela tecnologia;
  • Políticas públicas com recorte de gênero e raça, garantindo o, permanência e crescimento profissional para as mulheres — em especial, as mulheres negras;
  • Ratificação das convenções da OIT sobre igualdade salarial, responsabilidades familiares e combate à violência e ao assédio no trabalho;
  • Regulação da inteligência artificial, com foco na proteção de direitos, segurança, privacidade e inclusão;
  • Transição justa, com geração de empregos de qualidade e proteção para trabalhadores(as) e comunidades impactadas pelas mudanças climáticas e tecnológicas.

Mas nenhuma dessas propostas será viável sem enfrentar um dos maiores motores da desigualdade global: o sistema financeiro desregulado, que tem operado com autonomia excessiva, muitas vezes alheio ao interesse público. A atual arquitetura financeira internacional aprofunda assimetrias entre países, promove a concentração de riqueza e impõe austeridade sobre os mais vulneráveis.

A regulação do sistema financeiro deve entrar com urgência na agenda sindical internacional. O movimento sindical deve defender:

  • O fim da independência do Banco Central moldada exclusivamente pelos interesses do mercado;
  • A adoção de mecanismos de controle social e transparência sobre decisões que afetam a vida dos trabalhadores;
  • Uma política fiscal progressiva e coordenada, voltada à redistribuição de renda e financiamento de políticas públicas;
  • A visão tripartite nas decisões econômicas — com sindicatos, governos e empresas dialogando em pé de igualdade, inclusive sobre estratégias macroeconômicas.

Nosso papel, como dirigentes sindicais, é garantir que os avanços tecnológicos e econômicos não aprofundem injustiças, mas sim construam um novo patamar de dignidade, soberania e justiça social. Para isso, precisamos fortalecer a negociação tripartite, impulsionar uma transição justa, e atuar fortemente pela regulação democrática da tecnologia e do capital financeiro.

A transformação digital não pode se dar à custa dos trabalhadores. Que a inteligência que nos falta seja coletiva, solidária e organizada em torno da luta por direitos.

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